Multidão de Órfãos

Uma imensa multidão de órfãos esparrama-se pelo país. Desterritorializada, erra ao sabor dos ventos do capital e das migalhas que caem da mesa dos ricos, e senhores, dos abastados e milionários, dos donos do dinheiro e do poder.

Órfãos do Estado e de um governo nulo e perverso, das autoridades indiferentes e das políticas públicas inexistentes. Órfãos da terra, do teto e do trabalho. Órfãos de uma moradia que possa ser chamada de lar, privados de um endereço fixo e de uma chave pessoal que lhes seja o símbolo dos direitos e da dignidade humana.

Órfãos dos políticos que lhes viraram as costas. Em lugar de agirem como seus representantes, disputam feito gaviões as fatias mais gordas do orçamento público. Órfãos do “centrão” que, por sê-lo, concentra-se sobre os próprios interesses e privilégios, dilapidando os cofres da União, Estados e Municípios, de olho nas próximas eleições.

Órfãos da habitação, do emprego, da escola, da saúde, da roupa e da comida, dos transportes públicos, do campo e da cidade. Sem raízes, sem rumo e sem perspectiva, acampam pelas ruas e praças, precariamente pendurados em programas de emergência social ou na caridade de igrejas e outras instituições.

Órfãos de uma pátria que não os considera como cidadãos – pouco importa se são estrangeiros ou brasileiros – com ou sem documentos… Órfãos do direito de morar, porque não há como arcar com o preço do aluguel, da água, da luz, do gás… Órfãos, sós e desterrados, à deriva de um desgoverno que se compraz em vê-los murchar, definhar e morrer como plantas sem raiz, pisoteados com vermes que rastejam no pó e na lama do chão.

Órfãos de tudo e de todos; da crise, caos, barbárie e violência; perdidos pelas fronteiras, estradas e metrópoles, estas últimas qual gigantes imponentes de concreto e asfalto, vidro e ferro, máquinas e rumores, que ao mesmo tempo os atraem, os ignoram e os rechaçam na condição de “descartáveis”.

Órfãos em busca de um fio de fé e esperança: de um ambiente familiar, de uma casa, de uma pátria que os possa “acolher, proteger, promover e integrar”, concedendo-lhes enfim oportunidades concretas de retomar os sonhos partidos e recomeçar uma vida digna como protagonistas de sua própria história.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Roma, 04/07/2022

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