Pastoral social e a concepção do tempo
A concepção do tempo constitui um fator determinante no trabalho sociopastoral, o que vale evidentemente para outros tipos de ação. Neste sentido, convém levar em consideração três maneiras de entender o tempo: como latifúndio, como investimento e como gratuidade.
O termo latifúndio corresponde ao tempo fechado em si mesmo, voltado sobre o próprio umbigo. Cercam-se as horas e os dias com uma série de atividades e compromissos, reais ou fictícios, para evitar que as pessoas ocupem nosso tempo. Este, contudo, em sua maior parte se mantém vazio, ocioso e improdutivo. Permanece reservado aos desejos, gostos, ocupações, interesses e caprichos pessoais. De forma que, não raro, engendra o tédio. Tédio é tempo acumulado que, ao fermentar, como tudo o que se acumula, também ele apodrece. O carro, a televisão, o computador, o celular, o lazer e o prazer – entre outras coisas – acabam consumindo as horas, mas estas escorregam entre os dedos como um líquido viscoso, amargo e azedo, que deixa um gosto de podridão no mais profundo das entranhas.
O termo investimento representa o tempo matematicamente calculado, no sentido de gerar dividendos para aumentar o capital, seja este relativo às finanças, ao poder, ou à influência sociopolítica. Por trás dessa noção está a famosa frase atribuída a Benjamin Franklin “time is money”. Se é assim, deve ser utilizado de forma a gerar mais dinheiro. Entra em cena a lei da seleção natural (Darwin), a vantagem do mais forte ou do mais esperto, o jogo da acumulação permanente. No terreno da prática sociopastoral, deve-se priorizar as ações, visitas e atividades que trazem algum retorno. Nada de “perder tempo” com o que ou com quem não é capaz de intercambiar os benefícios ou de retribuir à altura. A oferta e a procura se equilibram na balança recíproca dos interesses. Os critérios da economia capitalistas – em particular o motor do lucro e do acúmulo – passam a fazer parte da própria ação evangelizadora.
Trata-se, no fundo, de colocar em prática a mercantilização do tempo: minutos, horas e dias se convertem em centavos, reais, dólares. Todo e qualquer planejamento, todo e qualquer projeto, todo e qualquer passo, toda e qualquer estratégia devem ser milimetricamente contabilizados, com vistas a aumentar a renda e a riqueza, sejam estas de ordem econômica, emocional ou espiritual. Neste caso, evidencia-se que o capitalista não doa, investe. Se investe é com a finalidade de uma retribuição que supere os gastos. Tudo é registrado para que, no livro caixa, as entradas superem as saídas. A mesma lógica passa a valer na comunidade, nas pastorais, nos movimentos sociais e na própria igreja. O tempo/dinheiro deve ser gasto somente, e tão somente, quando se vê como certa a perspectiva do lucro.
Por fim, mas em primeiro lugar, o termo gratuidade se aplica ao tempo oferecido sem qualquer exigência de compensação. Neste caso, saber “perder tempo” com o outro ou com determinada atividade não implica em buscar intercâmbio, mas em doar-se por uma causa justa e digna. É a única forma de utilização do tempo que permite uma verdadeira escuta. Quem ambiciona lucrar, não hesita em atropelar lágrimas, gritos, histórias e sofrimento. Tudo se faz permitido quando o objetivo consiste em enriquecer. Por isso é que nas cidades e nas metrópoles, praticamente ninguém é capaz de ouvir o outro. A zona urbana praticamente não possui ouvidos atentos. Todos tendem a falar e correr. A pressa se sobrepõe ao mínimo de sensibilidade, uma vez que não há tempo a perder. Novamente aqui “tempo é dinheiro”.
Em termos teológico-espirituais, podemos afirmar que tempo enquanto gratuidade é uma forma de fazer com que o dom oferecido por Deus seja convertido numa entrega livre aos pobres. Numa palavra, tempo de Deus é tempo dos que mais necessitam de sua presença e seu conforto. Com isso, de imediato nos deparamos com a prática de Jesus. Basta um voo de pássaro sobre os relatos evangélicos para dar-se conta que a caravana do Mestre jamais atropela quem sofre e pede socorro. São diversos os episódios em que os enfermos ou aflitos erguem a voz para solicitar um olhar, um toque, uma cura ou uma palavra. Mesmo contra o parecer dos seus discípulos, Jesus sempre se detém: diante dos cegos de nascença, dos leprosos, da mulher que sofria de fluxo de sangue, da sírio-fenícia, daquela que perdera o filho, entre outras ocasiões. O tempo do Nazareno, por ser dom do Pai, é oferecido gratuitamente às “multidões cansadas e abatidas”. Não custa acrescentar que, entre o tempo latifúndio e investimento, o único que liberta e salva é o tempo gratuito. No interior dele, a compaixão e a misericórdia prevalecem sobre interesses egoístas.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo, 02/05/2023