OS TRAPALHÕES

Não, o título não se refere ao quarteto formado por Didi, Dedé Santana, Mussum e Zacarias, os humoristas da famosa série televisiva. O que colocamos em cena aqui são os protagonistas do golpe fracassado de 8 de janeiro de 2023. Trapalhões no planejamento da insurreição, trapalhões no sigilo que a empreitada requeria, trapalhões no modo de se comunicar uns com os outros!… Mas trapalhões, sobretudo, no fato de produzir provas contra si próprios, seja na quantidade quanto na qualidade. São fotografias às dezenas ou centenas (ou milhares!), gravações, audiovisuais, minutas, telefonemas, mensagens de WhatsApp, e assim por diante. Isso para deixar de lado, por agora, o gabinete do ódio e a Abin paralela. E pior, tudo nas próprias dependências do Palácio do Planalto, sede do governo federal.

As duas reuniões ministeriais que vazaram até os dias de hoje – quem sabe não era justamente essa a fórmula de todas as demais reuniões daquele governo – o mostram à saciedade. Em ambas, a trapalhada começa não somente por uma suposta lista dos assuntos a serem tratados, mas de modo todo particular pela abordagem dos mesmos. Aliás, a primeira impressão que se tem é a de que não havia propriamente uma “lista”, ou uma pauta em tais encontros. As temáticas tornam e retornam sem qualquer apresentação lógica de um esquema, digamos, “problema-estratégias-meios-solução”. Emergem e submergem de forma totalmente arbitrária e aleatória, misturam-se e se confundem, de acordo com quem toma a palavra e com o calor do momento. A linguagem é baixa, chula, grotesca, bizarra. Dir-se-ia “conversa de botequim”, sem a pretensão de ofender e desqualificar os frequentadores dos bares.

O mais hilariante, entretanto, é a tentativa dos membros ali presentes de imitar o capitão. Imitá-lo tanto na truculência verbal quanto na falta de sequência lógica da argumentação. As palavras saem aos borbotões, quase como se fossem vomitadas. E a cada momento repisadas pela intercalação dos palavrões mais sujos e obscenos de nossa língua portuguesa, os quais também são devidamente imitados. Ali se grita e se gesticula em vozes alternadas ou atropeladas, se acusam vários membros dos demais poderes da União, se difamam os opositores como inimigos a serem abatidos, se engendram as mais estranhas mentiras. Através do vídeo, assiste-se a um verdadeiro atentado à moral, ao bom-senso, à razão e à gramática. Trata-se, vale dizer, da mesma maneira de se comunicar já notória no “cercadinho” do Planalto, nas famigeradas motociatas, nos discursos dos palanques, bem como nas ruas e praças ou nas redes digitais. Em tudo, prevalece o improviso tosco, impróprio e irreverente, sem esquecer a baixaria das obscenidades e dos xingamentos.

A trapalhada do golpe, no entanto, ultrapassou todos os limites imaginários. Sequer faltou a participação ativa de ministros, generais, coronéis, funcionários de alto escalão, patrocinadores e outros que tais. Mas o mais grave foi o uso e instrumentalização de tantos partidários (milhares, milhões!), primeiro, para acampar por longos dias em frente aos quartéis, depois para deslocar-se até Brasília do dia D. Torna-se desnecessário, a essa altura, relembrar uma vez mais os gestos e palavras, as cenas e imagens nas repartições do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal de Justiça. A quebradeira e o vandalismo atingiram extremos insuspeitados, e isso sob o olhar e as barbas cúmplices de soldados e oficiais das forças armadas. Semelhante baderna, se e quando comparada com a festa da posse do presidente Lula, no domingo anterior, ilustra admiravelmente o conceito de negacionismo proclamado em alta voz pelo chefe.

O fracasso atabalhoado do golpe, porém, não significou grande novidade. Já havíamos visto coisa parecida no negacionista a ser imitado, lá do Norte. Aquele e este, com seus filhos, o clã familiar e os correligionários, desde que tomaram conta do poder, pouco fizeram além de tentar perpetuar a cadeira cativa da Presidência da República. Como, aliás, já o haviam feito com o mandato na Câmara e no Senado. Basta ter presente a indiferença e a negligência, os arroubos intempestivos, as bravatas e diatribes, a zombaria e escárnio com que foram tratadas as vítimas da pandemia Covid-19, a situação de vulnerabilidade dos povos indígenas, a população afro-brasileira e quilombola, os ambientes acadêmicos e artistas, entre tantos outros desaforos. O capitão e respectivos seguidores, com instinto de aniquilação, transcorreram quatro anos atentando contra as instituições democráticas, vilipendiando todo e qualquer adversário político, locupletando-se de privilégios, benesses e joias do tesouro nacional, em detrimento das necessidades básicas e urgentes dos setores pobres, excluídos e marginalizados da população de baixa renda.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM – São Paulo, 10/02/2024

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