O MUNDO TODO CONTRA OS MIGRANTES

Nos Estados Unidos, seguem de vento em popa as práticas de perseguição, imobilização e deportação dos imigrantes indocumentados. Nos campos de aprisionamento, a violação dos direitos humanos não conhece limites, incluindo a separação de famílias. São vários os voos que partem dali para as mais diversas direções. Os ânimos veem se acirrando contra todo estrangeiro trabalhador ou trabalhadora. Um verdadeiro exército de agentes anti-imigração vem sendo mobilizado para essa “limpeza étnica” disfarçada de defesa dos interesses nacionais. Numa caça às bruxas sem precedentes, vasculham-se as escolas, as igrejas e os locais de trabalho atrás dos “criminosos”. Isso mesmo, para a atual política migratória estadunidense migrar é crime e deve ser punido com o banimento imediato do país. País que, diga-se de passagem, se formou, cresceu e se fortaleceu com imigrantes dos quatro cantos do planeta.

Na Inglaterra, setores da população saem às ruas numa agitada mobilização contra a presença progressiva dos imigrantes. Estes estão entrando no país através de precárias embarcações que, numa perigosa aventura, ousam cruzar o canal da mancha. Originam-se de distintos países da África e do Oriente Médio, avançando pelo velho continente de fronteira em fronteira. Os manifestantes que veem se opondo à entrada desses novos extracomunitários dizem-se contrários aos gastos do orçamento público com tamanha “invasão estrangeira”, afirmam. O governo inglês, na verdade, garante hotel provisório e dispõe de uma certa quota em dinheiro para as despesas básicas de cada imigrante. Dezenas de edifícios estão sendo destinados à hospedagem desse contingente cada vez mais expressivo De acordo com as estatísticas recentes, o número dos acolhidos em tais condições ultrapassa a casa dos 300 mil (Cfr. Noticiário da CBN, em 25/08/2025).

Portugal também retrocede no que diz respeito à relativa abertura de fronteiras. Com o crescimento do Chega nas últimas eleições, vem prevalecendo uma legislação mais dura para a entrada de imigrantes, que em geral provinham de alguns países da ex-União Soviética, bem como das ex-colônias portuguesas – Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Cabo Verde. Vale ter presente que o Chega (CH) é um partido que, no espectro da política, se localiza na direita ou extrema direita, de linha radical, nacionalista, populista e conservador. A nova inflexão administrativa, como bem sabemos, seguindo a retórica de outros países da Comunidade Europeia, tende a fechar o acesso a novos migrantes. Além disso, Portugal também vem incentivando um retorno aos países de origem, com a ameaça de deportação.

Ademais dessas três nações citadas – EUA, Inglaterra e Portugal – não seria difícil identificar outras práticas contrárias ao direito de ir-e-vir dos migrantes. Não obstante esse endurecimento das leis, o número desses últimos vem aumentando em razão dos conflitos armados (Sudão do Sul, Etiópia, Iêmen, Congo, Ucrânia, Palestina, entre outros), das catástrofes originadas pelas mudanças climáticas, como também da pobreza e falta de oportunidades em muitas outras regiões. Neste último caso, a concentração de renda associada à desigualdade e exclusão social engendra assimetrias tão abissais que, para as populações pobres, excluídas e vulneráveis, não resta outra alternativa a não ser partir.

De outro lado, é preciso reconhecer, e denunciar, que a legislação migratória (quando existente) tem como foco não os direitos humanos, e sim a segurança nacional. O resultado dessa miopia ou cegueira criminaliza os migrantes, classificando-os com os mesmos critérios usados para combater o tráfico de pessoas humanas, o crime organizado e o terrorismo. Não por acaso, as notícias sobre migração muitas vezes ocupam a página policial dos jornais ou telejornais. Daí porque, não somente as autoridades encarregadas da imigração, mas também a população de um bom número de países, acabam por motivar o recrudescimento da discriminação, do preconceito, do racismo e da xenofobia.

No pequeno livro A hora da estrela, de Clarice Lispector, o narrador afirma que a migrante alagoana no Rio de Janeiro, Macabeia, “tinha uma cidade toda contra ela”. Com as restrições cada vez mais férreas ao direito de ir-e-vir, aliadas à intolerância e hostilidade por parte da população, seria legítimo parafrasear a renomada escritora dizendo que os migrantes “têm um planeta inteiro contra eles”. Deixar a terra natal nos dias atuais é condenar-se a uma errância tortuosa, cheia de riscos e sem fim, batendo de fronteira em fronteira, sem saber ao certo onde e quando replantar as próprias raízes, com o perigo de retornar à origem.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM – São Paulo, 26/08/2025

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