Migração e refúgio no Ministério do Papa Francisco

“Desde a sua eleição à cátedra de Pedro, em março de 2013, Bergoglio cedo revelou-se um porta voz ímpar e incansável dos pobres, indefesos e excluídos, com particular atenção aos migrantes e refugiados. O que pode ser comprovado em uma tríplice dimensão: os gestos, as palavras e as ações.”

A vinculação dessa temática a qualquer celebridade exigiria uma página introdutória. Não é o caso do Papa Francisco. Com ele, a ligação se torna viva, marcante e imediata. Desde a sua eleição à cátedra de Pedro, em março de 2013, Bergoglio cedo revelou-se um porta voz ímpar e incansável dos pobres, indefesos e excluídos, com particular atenção aos migrantes e refugiados. O que pode ser comprovado em uma tríplice dimensão: os gestos, as palavras e as ações.

Gestos que valem uma encíclica

Assim que assumiu o pontificado, o Papa Francisco não se fez esperar. Logo de início, chamou a atenção de todos com a visita à ilha italiana de Lampedusa (julho/2013), porta de entrada para os migrantes que, na viagem do Oriente Médio e África para a Europa, tentavam a rota mediterrânea. Pouco antes, o naufrágio de uma embarcação havia causado a morte de centenas de jovens migrantes. Ao lançar um ramo de flores às águas desse imenso “cemitério”, o pontífice rezou pelos mortos, ao mesmo tempo que clamou para que isso nunca mais se repetisse – o que infelizmente não aconteceu.

Outra viagem significativa, sempre no campo da mobilidade humana, foi a visita à ilha grega de Lesbos (abril/2016), outra porta em direção à Europa, pela rota balcânica. Na contramão da política anti-migratória de vários países europeus, tais gestos se revelaram de uma grande eloquência. Interpelaram as nações e respectivas autoridades para os direitos humanos de quem, fugindo da guerra, da violência ou da pobreza, busca desesperadamente “terra, teto e trabalho”.

O Santo Padre fez questão, ainda, de marcar presença na zona limítrofe entre México e Estados Unidos (fevereiro/2017). Trata-se de uma rota dramática para milhares de migrantes do sul e centro-América que se lançam ao Eldorado norte-americano. Mas as caravanas em fuga batem de frente com a fronteira cerrada, a falta de documentos e a discriminação xenofóbica das autoridades dos USA. Nas três rotas acima, muros, arame farpado, soldados e legislação restrita barram a esperança dos migrantes, quebram-lhes os sonhos. Varre o mundo uma onda de governos ligados ao nacionalismo populista, vinculado à economia neoliberal. Nesse contexto adverso e autoritário, as viagens do Papa levam uma mensagem explícita: a cidadania universal não tem fronteiras. “Seus gestos valem uma encíclica”, disse alguém.

Palavras proféticas

Os gestos revestem-se de palavras. E estas remetem à veemência profética do Antigo Testamento, como também à misericórdia do profeta itinerante de Nazaré. Encíclicas, exortações, pronunciamentos, mensagem para o Dia do Migrante e Refugiado, homilias, etc. – em todos as manifestações públicas do pontífice, o migrante ou refugiado adquire um protagonismo singular. Não cabe uma análise de suas falas e escritos, mas dois aspectos devem ser sublinhados. O primeiro tem a ver com a atitude evangélica de trazer para o centro o pobre e excluído. No decorrer de seu pontificado, o Papa conseguiu colocar a causa dos migrantes e refugiados não apenas no coração da agenda eclesial, mas também nos debates nacionais e internacionais.

O segundo aspecto decorre do anterior. A expressão “não se trata apenas de migrantes” constitui uma forma de colocar essa “catástrofe humanitária” no contexto da política econômica mundial. Nesta, governos de extrema direita recusam e rechaçam o “outro, diferente, estrangeiro”. Daí “os desertos e mares que se transformam em cemitérios”, como dizia o Papa no último Natal. E mais: “como passar dessa globalização da indiferença à cultura da acolhida, do encontro, do diálogo e da solidariedade”? A resposta já virou refrão: abater muros e construir pontes.

Ações evangélicas

Os gestos e palavras desdobram-se em ações evangélicas. O mundo jamais esquecerá as três famílias de refugiados sírios acolhida pelo Papa, sob a responsabilidade da Santa Sé. A ação se repetiu, provocando dioceses e Institutos religiosos a fazerem o mesmo. Em seu modo de agir, sempre há um carinho especial para com o estrangeiro. Isso nos leva ao fio condutor da Palavra de Deus: no Antigo Testamento, a ênfase à defesa “do “órfão, da viúva e do estrangeiro”; nos escritos evangélicos, além de experimentar a condição de migrante junto com a família, Jesus faz questão de salientar a fé dos estrangeiros, como no caso do encontro com a mulher sírio fenícia (Mt 15, 21-28).

Mais significativo que os documentos, porém, foi a criação no Vaticano do novo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Na estrutura do Dicastério, o Papa assumiu pessoalmente o departamento dedicado aos migrantes e refugiados, o que diz muito a respeito de sua preocupação com esse fenômeno da mobilidade humana. Fenômeno que, de resto, desde os pontífices anteriores é visto como um “sinal dos tempos”. Efetivamente, os migrantes são profetas e protagonistas de um amanhã recriado. A exemplo das aves, para onde se deslocam levam consigo as sementes do Reino que existem no coração de cada ser humano e de cada cultura, como lembra J. B. Scalabrini, “pai e apóstolo dos migrantes”. Contribuem para o surgimento de novos povos, valores e civilizações.

O simples fato de migrar, por um lado, denuncia as condições adversas nos países de origem, ao mesmo tempo que, por outro, anuncia a necessidade urgente de mudanças estruturais tanto nos países de saída e chegada quanto nas relações internacionais. Quando se põe em marcha, o migrante faz marchar os movimentos sociais, as instâncias da Igreja, os órgãos governamentais, as entidades da sociedade civil, as organizações não governamentais. À medida que se move, o migrante move a própria história, abrindo horizontes para novas alternativas.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM

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