PEREGRINOS DE ESPERANÇA

No decorrer deste ano jubilar, 2025, peregrinação e esperança se entrelaçam. Duas palavras praticamente sinônimas, integradas e complementares. De fato, todo peregrino que se põe em marcha, caminha movido por algum tipo de esperança. E inversamente, quem tem esperança, ainda que por um fio muito tênue, não deixará de abrir novas veredas no grande sertão da existência humana, para usar a expressão do poeta brasileiro Guimarães Rosa. Hoje em dia, porém, a noção de esperança exige urgentes e determinados esclarecimentos.

A verdade é que o conceito de _esperança_ , com o passar do tempo, se banalizou e se desgastou. Aliás, nesse processo de degeneração das palavras, a concepção de esperança não está isolada. O mesmo se pode dizer, por exemplo, de conceitos como amor, caridade, família ou democracia. E mais, a banalização e o desgaste desbotam e distorcem as tintas do sentido original. No caso da esperança, a sociedade contemporânea, no seu afã de novidades, reduziu-a a mera expectativa. Esta última, na verdade, tem a ver com aquisição de objetos de consumo em sintonia com a moda, nível de conhecimento e aprendizado, carreira profissional, enfim, com bens tangíveis, visíveis, palpáveis. Numa palavra, a expectativa se resolve nas universidades, nas lojas do shopping center, no mercado freneticamente obsessivo e na disputa por um lugar ao sol. Alimentar e cultivar expectativas, evidentemente, faz de toda existência humana.

O que não se pode é confundir esperança com expectativa. A esperança navega em outra órbita, move-se em outra dimensão. Não se trata de adquirir coisas sobre coisas, ter poder e dinheiro, conhecimento ou influência, concorrer ou aparecer…Consiste, antes, numa atitude de vida. Exemplo: “Tudo é escuro, nada vejo e não sei que rumo tomar, medos e dúvidas batem furiosamente à porta, perguntas inquietantes me angustiam, mas creio que algo ou Alguém caminha a meu lado”! Mesmo nesta frágil embarcação que é nossa existência, em meio às águas turvas, torvas e bravias das tempestades, creio que Alguém está na barca, como no episódio narrado pelos Evangelhos. Na noite escura, acendo uma vela e, quanto mais densas as trevas, maior será o brilho da chama, por menor que esta seja.

Enquanto a expectativa conta com as próprias energias, com a astúcia, a sagacidade e a inteligência, a esperança tem consciência de sua fraqueza, limitação e fragilidade. Entende que o conhecimento nem sempre representa sabedoria. Uma pessoa com diploma muitas vezes é menos sábia do que outra analfabeta. Sábio é aquele que, “sabendo que nada sabe”, passa a confiar na graça e na presença de Alguém. A expectativa tende a falar e agir com orgulho e prepotência, a esperança, com o silêncio e a escuta. Nestes reside a sabedoria. Não que essa atitude de escuta (oração e contemplação, se se quiser), venha modificar meus problemas pessoais. Modifica, isso sim, meu modo de encará-los e de resolvê-los. Nenhuma força sobrenatural fará o que tenho de fazer por mim mesmo. Mas o fato de contar com ela imprime em minha alma maior confiança, decisão e auto-estima.

Resta sublinhar que a expectativa costuma surfar nas ondas da moda e do sucesso. Mas tanto aquela como este podem desiludir. Ou seja, quem hoje surfa no sucesso, amanhã pode amargar o fracasso. São duas faces da mesma moeda. Beleza, aparência e celebridade são atributos efêmeros, passageiros. Duram enquanto a plateia se dispõe a aplaudir. Ou, como se diz na era da Internet e das redes digitais, dependem do número de visualizações. Essa dependência carrega um caráter instável, temporário e enganador. Permanecemos suspensos, na agonia e na tortura da audiência, do parecer de outrem. Semear ilusões é colher desilusões. Além disso, na grande maioria das vezes, guiadas pelo desejo e pelo egoísmo, as expectativas estão acima de nossas forças, o que torna a decepção certa e inevitável.

Em síntese, a sociedade, o mercado e a competição diária requerem uma luta sem tréguas. Facilmente o desânimo inibe os passos e os projetos, chegando ao risco do desestimulo e da depressão. Ao contrário dessa corda bamba, “a esperança não decepciona”, diz o apóstolo Paulo (Rm. 5, 5). Mesmo nas horas mais difíceis e angustiosas, ela permanece viva. A chama da esperança não se apaga, porque tem suas raízes no terreno da luz, da paz e da fé, e não do sucesso imediato e material. Neste caso, a energia não frustra e não conduz à queda, porque encontra-se depositada em Alguém que nunca fecha a porta a quem bate, nunca viras as costas a quem O procura. Não é o poder ou o dinheiro, os livros ou a inteligência, tecnologia ou a influência que nos sustentam, e sim a força de Alguém invisível e silencioso, mas sempre presente. “Quanto sou fraco – diz ainda São Paulo – é então que sou forte” (2Cor, 12, 10).

Conclui-se que o Espírito Santo não age sobre o orgulhoso, o autossuficiente, o poderoso e o prepotente. Estes estão cheios de si mesmos, debruçados sobre o próprio umbigo. Não há espaço para a graça, para a ação do sobrenatural. São as pessoas simples, sábias e humildes, conscientes de suas debilidades, paixões desvairadas e interesses egoístas, que se dispõem a receber o auxílio do divino. O divino desce – “o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo. 1, 14-17) – para divinizar o humano. Apenas e tão somente nessa peregrinação, ao mesmo tempo fiel e criativa, podemos contar com a verdadeira esperança. A esse respeito muito têm a nos ensinar os migrantes, refugiados itinerantes e forasteiros.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM. São Paulo/SP, 25/05/2025

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