Ecologia, sinais dos tempos e apocalipse
Mesmo sem ultrapassar as fronteiras do Brasil e sem precisar voltar tanto na história, os “sinais dos tempos” em relação às mudanças climáticas se tornam cada vez mais preocupantes. Não faltam os casos de catástrofes extremas: primeiramente, vieram as tempestades, deslizamentos e inundações no estado do Rio Grande do Sul, com dezenas de vítimas fatais, e milhares de desabrigados ou desalojados na grande maioria de seus municípios; logo a seguir, assistimos uma vez mais à seca nos estados da Amazônia, onde historicamente a água era um bem natural e abundante, inclusive para o deslocamento da população que no momento corre o risco de isolamento; juntamente com a estiagem prolongada, em terceiro lugar, fogo e fumaça devastam e contaminam vários estados do Norte, Centro-Oeste e Sudeste, não sem a suspeita de incêndios criminosos; por fim, verificou-se recentemente a mais baixa umidade relativa do ar de que se tem notícia, em Brasília-DF, chegando a 7%, bem longe dos 60% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Sinais dos tempos, apocalipse, fim do mundo – são algumas das expressões que veem acompanhando esses efeitos da ação humana sobre o meio ambiente. De fato, cresce a consciência de que o ritmo do planeta Terra será incapaz de reciclar os bens da natureza com a mesma velocidade com que economia globalizada produz, comercializa e consome. Nessa perspectiva, a humanidade e em particular os países mais desenvolvidos, vem alimentando um projeto político e econômico autofágico. Projeto que se autodevora, ao devorar as fontes e meios que o levam a reproduzir-se. O sistema em curso de produção-comércio-consumo-descarte, além de devastar ao campos e florestas; de queimar os combustíveis fósseis de carvão, gás e petróleo, emitindo gases de efeito estufa às toneladas; de contaminar o ar, as águas e oceanos; de contribuir de forma crescente para o aquecimento global e o derretimento das camadas polares – ainda por cima transforma em lixo toneladas de alimento e de plástico. O plástico necessita de séculos para se decompor, o alimento falta na mesa de um bilhão de seres humanos, cifra exorbitante de pessoas que, no mundo, sofre de insegurança alimentar.
A verdade é que as revoluções levadas a cabo nos últimos séculos – sejam elas filosófica, científica, política, tecnológica ou industrial – conduziram toda humanidade a um projeto de exploração elevado à mais alta potência. Exploração dos bens naturais, com destaque para a garimpagem do solo e subsolo, que conduz à devastação e desertificação de áreas cada vez expressivas; exploração da força de trabalho humana, o que, além da escravidão pura e simples ou condições análogas de trabalho informal, tem obrigado multidões de trabalhadores e trabalhadoras a um vaivém sempre mais intenso, mais diversificado e mais complexo, sem destino certo onde replantar as próprias raízes; exploração da tradição e patrimônio cultural de inúmeros povos e nações, ademais de converter em mercadoria expressões típicas, saberes e sabores específicos, lazer e divertimento do exíguo tempo livre dos cidadãos e cidadãs. Tudo se vende, tudo se compra! Tudo e todos estão sujeitos a se transformarem em mercadoria. O projeto de exploração, se e quando possível, lucra até mesmo com os pensamentos, as emoções e os relacionamentos humanos mais íntimos, as fofocas… Nada e ninguém escapa à sua ambição de acumular capital sobre capital.
E aqui emerge com força redobrada a necessidade de superar esse projeto de exploração por uma nova visão de vida e de mundo. Urge pensar um projeto de cuidado, de respeito, de convivência e de solidariedade. Um arcabouço de ideias, regras, conceitos e fundamentos que levem em consideração, não apenas o viver bem, aqui e agora, de um punhado de milionários, bilionários ou até trilionários, sem qualquer preocupação para as pessoas que os substituirão no planeta, mas sobretudo o bem viver igualitário de todos os seres humanos, como também todas as formas de vida (biodiversidade). Cara vez que uma espécie de fauna e flora, uma só que seja, desaparece da face da terra, a própria vida humana se torna mais pobre e vulnerável, uma vez que toda e qualquer expressão de vida está inextricavelmente interligada.
Não basta, porém, que busquemos o bem viver de nossos dias. Há que pensar nas gerações futuras. Que tipo de país, por um lado, e de planeta, por outro, estamos deixando de herança para os que virão depois de nós? Qual o legado de nossa geração para filhos, netos, bisnetos, e assim por diante? São perguntas que impõem hoje respostas propositivas. Ou pensamos com os pés no chão e os olhos voltados para esse horizonte mais justo, fraterno e solidário, ou estaremos cavando o abismo que, cedo ou tarde, haverá de devorar a terra com todas as coisas e pessoas que a habitam.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM – São Paulo, 10/09/2024