Militante e miliciano
Em tempo de eleições, convém distinguir dois conceitos aparentemente sinônimos, mas bem distintos: o de militante e o de miliciano. Ambos costumam ser utilizados nas campanhas eleitorais, seja pelos candidatos de todas as instâncias, seja pelos meios de comunicação social ou, em consequência, pela opinião pública. As duas concepções, com raiz similar, aparecem, às vezes, de forma indiscriminada. Pior ainda, como termos correspondentes e intercambiáveis. Convém, portanto, buscar o auxílio dos dicionários, no sentido de melhor lhes discernir o significado usual. Segundo eles, militante “é aquele que milita, combate, defende ativamente uma causa”. Miliciano, por sua vez, tem a ver com a noção de milícia, termo que indica, “uma organização ou grupo de cidadãos, por vezes armados”, mesmo não sendo integrante das forças oficiais, “mas que podem vir a ser organizados e treinados como soldados”.
No interior das próprias milícias faz-se necessária outra distinção. Existem aquelas que atuam no campo religioso, utilizando “a armadura de Deus”, o “cinturão da verdade”, “a couraça da justiça” e o “escudo da fé”, como se pode ler na carta de São Paulo aos efésios (Ef 6, 13-17). Verdade que, mesmo na trajetória das religiões, muitas vezes foi usada a espada na formação de exércitos para eliminar os “infiéis” de um lado ou de outro. Hoje, porém, o termo milícia designa particularmente grupos ligados ao crime organizado, que usam armamento pesado para defender interesses pessoais, familiares, ou corporativos, intimidando a população e traficando com terrenos, moradias, serviços públicos, drogas, armas, pessoas e órgãos humanos, entre outras mercadorias. O tema das “tribos urbanas”, hermeticamente cerradas, tem sido levantado por distintos estudiosos (com todo respeito para com as “tribos indígenas”).
Voltado à distinção entre militante e miliciano, enquanto este último mira o controle sobre determinados agrupamentos humanos, muitas vezes ruas e bairros inteiros, no sentido de manipular e explorar os moradores através de pressões constantes – o militante tem como horizonte causas de ordem socioeconômica que se orientam ao bem-estar da população. Um semeia medo e terror, valendo-se do ódio e de ameaças, para obter obediência cega e irrestrita. Outro se abre e se junta a grupos, movimentos, entidades e organizações similares, agindo em prol da conquista e defesa dos direitos humanos, privilegiando os mais pobres, excluídos e vulneráveis. O militante facilmente atua como voluntário, ao passo que o miliciano tende a se tornar um mercenário. O que significa dizer que, da mesma forma que cobra para combater por alguma organização ilícita e criminosa, submetendo-se cegamente a quem melhor paga, também está disposto a explorar sem escrúpulos seus subordinados. Retrato vivo de que a subserviência é irmã gêmea da prepotência. Covarde diante dos poderosos, converte-se em verdadeiro tirano para com os fracos. Ajoelha-se servilmente frente ao senhor, na exata medida em que, ele mesmo, sonha subir à condição de senhor.
Justamente esses últimos rostos, desfigurados pelo desemprego e subemprego, bem como pela pobreza, miséria e fome, são as principais vítimas dos milicianos. Essas populações de baixa renda, sem vez e sem voz, caem facilmente nas armadilhas e na violência de grupos armados. A ferro e fogo, eles subjugam e recrutam jovens de amplos territórios periféricos, na busca de lucros fáceis especialmente com a compra e venda de armas e entorpecentes. Seu olhar volta-se sobre o próprio umbigo, procurando enriquecer a todo custo, roubando e assaltando se possível, adquirindo imóveis, carros, influência e bens de luxo – sem qualquer responsabilidade pelas consequências deletérias de suas ações.
Diferente são os objetivos do que chamamos militância. Neste caso, encontram-se em jogo as necessidades básicas das populações de baixa renda. Os projetos e ações giram em torno da conscientização, organização e mobilização dos envolvidos, no sentido de fazê-los caminhar com as próprias pernas. A partir de uma constante análise da realidade social, movimentos e pastorais, em parceria com numerosas organizações não governamentais, procuram soluções conjuntas e participativas. Trata-se, no fundo, de uma política do bem viver comunitário, em contraste com a política do viver bem egocêntrico.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo, 06/10/2022