Brasil fecha 2021 com 1937 resgatados da escravidão, maior soma desde 2013

O Brasil encontrou 1.937 pessoas em situação de escravidão contemporânea em 2021, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013, segundo informações divulgadas pelo renascido Ministério do Trabalho e Previdência nesta quinta (27). Ao todo, foram 443 operações – um recorde desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995. E, pela primeira vez, houve ações em todas as 27 unidades da federação para verificação de denúncias. Elas levaram a resgates no Distrito Federal e em 22 estados – não houve apenas no Acre, Amapá, Paraíba e Rondônia. Celebra-se, nesta sexta (28), o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Ao todo, foram R$ 10.229.489,83 de verbas salariais e rescisórias pagas aos trabalhadores no momento dos resgates, também o maior valor já desembolsado por empregadores em um ano de fiscalizações. Por conta das operações, foram recuperados mais de R$ 3,7 milhões para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Desde 1995, quando o Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território, até o final do ano passado, mais de 57 mil pessoas foram resgatadas. As operações são levadas a cabo pelos grupos especiais, coordenados por auditores fiscais do trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Ou por equipes ligadas às Superintendências Regionais do Trabalho nos estados, que também contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.

O decreto 10.282, de 20 de março de 2020, definiu a fiscalização como atividade pública essencial na pandemia. Com isso, as operações continuaram sendo realizadas, resgatando, inclusive, trabalhadores doentes com covid-19.

Minas Gerais novamente é o principal palco de libertação de pessoas

Minas Gerais foi o estado com o maior número de operações de combate ao trabalho escravo em 2021, com 99 empregadores fiscalizados, e o maior número de trabalhadores resgatados: 768. Desde 2013, o estado vem ficando em primeiro lugar em resgates por conta da ação da superintendência no estado. Em Minas, por exemplo, duas crianças de nove e dez anos e uma adolescente de 13 foram encontradas, junto com seus pais, em condições análogas às de escravo em uma fazenda de café e eucalipto em Minas Novas, região do Vale do Jequitinhonha, em fevereiro. De acordo com a fiscalização, eles passaram fome. No momento da fiscalização, foi constatado um pouco de arroz, de macarrão, sal e feijão e açúcar misturado com pó de café. Questionado sobre a razão dessa mistura, o trabalhador explicou que era para evitar que as crianças comessem o açúcar. Elas iam atrás do produto porque estavam com fome. Na sequência, tivemos em número de operações e de resgatados, respectivamente: Goiás (27/304), São Paulo (22/147), Pará (18/110) e Mato Grosso do Sul (15/81).

Já em Goiás, um homem foi resgatado do trabalho escravo, em agosto, em uma fazenda de gado durante uma operação de fiscalização, no município de Formosa, após mais de oito anos de serviço. Ele vivia com sua esposa e cinco filhos dormindo entre escorpiões e cobras, sem água e luz, com pouca comida e sob a poeira da mineração de calcário que ocorria perto de seu alojamento. “Escorpião era demais, tinha muito. Um me picou e fiquei seis meses com a perna dormente. Já acordei com cobra no pescoço. Tinha coral, papa-pinto… Se não forrasse o chão e tapasse os buracos da casa todos os dias, os escorpiões picariam meus meninos. Dormia todo mundo no mesmo lugar. Assim eu ficava de olho nos bichos”, afirmou Marilene da Costa, esposa de Itamar, trabalhador que foi resgatado. Todos passaram anos usando o mato como banheiro, sem energia elétrica e consumindo água salobra de um poço.

O maior resgate de trabalhadores em uma única unidade produtiva ocorreu no Distrito Federal, com 116 pessoas que atuavam na produção de palha de milho para a fabricação de cigarros artesanais. O recorde ainda está na mão da usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), com 1064 resgatados.

Chacina de Unaí chega à ‘maioridade’ sem cumprimento de pena dos mandantes

O 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo para marcar o aniversário da Chacina de Unaí, quando os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram executados em uma fiscalização de rotina no Noroeste de Minas Gerais em 2004. Os irmãos Antério e Norberto Mânica, grandes produtores de feijão, foram apontados como os mandantes do crime pela Polícia Federal. Em 2018, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou o julgamento de Antério, ex-prefeito de Unaí, após seu irmão assumir ter sido o único mandante do crime. Um novo julgamento de Antério não tem data para ocorrer e Norberto recorre da sentença em liberdade, bem como dois intermediários. Auditores fiscais do trabalho têm sofrido ataques semelhantes aos de outros servidores públicos que atuam na fiscalização, como funcionários do Ibama, do Incra, do ICMBio, da Receita Federal. De deboches e insinuações sobre o fim da fiscalização com a nova conjuntura política até a exposição de armas e ameaças, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) reclama das condições de trabalho. Tem sido comum empregadores se exaltarem e irem para o enfrentamento mesmo com policiais armados fazendo a segurança de uma operação.

 

Link do texto original: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2022/01/27/brasil-fecha-2021-com-1937-resgatados-da-escravidao-maior-total-desde-2013.htm

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