[Pe. Alfredinho] Recordes de uma tragédia anunciada
No exato dia em que o Brasil completa um ano desde o primeiro caso de Covid-19, ocorrido em 26 de fevereiro de 2020, o país termina de bater o recorde diário de vítimas fatais. Nas últimas 24 horas, com efeito, foram registradas nada menos do que 1.582 mortes em decorrência das complicações devidas à contaminação pelo coronavírus. O número de infectados, por sua vez, já superou a marca de 10 milhões, sem levar em conta a subnotificação e a crônica falta de testes em massa. Durante esses trágicos 365 dias, as mortes em consequência da doença já ultrapassam a casa dos 250 mil, segundo lugar no ranking mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.
Ontem, numa entrevista coletiva à imprensa, o Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, admitiu a necessidade de medidas mais rígidas e urgentes para deter a proliferação das novas variantes do vírus, com taxas de contágio bem acima da média inicial. O referido chefe da pasta propõe, entre outras coisas, a transferência dos infectados entre os vários estados da Federação, mas enfrenta sérias resistências por parte dos Secretários de Saúde, devido ao colapso do sistema sanitário que se alastra de forma rápida e alarmante por todo território nacional. Já o presidente Jair M. Bolsonaro, uma vez mais, menosprezou publicamente o uso das máscaras e do isolamento social, alertando para o que chamou de “efeitos colaterais” (sic).
Como consequência desse colapso do sistema sanitário em várias cidades, particularmente nas capitais dos estados, multiplicam-se diante dos hospitais e distintas unidades de saúde as filas de doentes na busca desesperada por atendimento. Em não poucas cidades, a ocupação dos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) oscila entre 95 e 100%. Acrescenta-se a isso a extrema lentidão do processo de imunização, devido à escassez de vacinas. Escassez essa que se deve à incompetência e negligência das autoridades na prevenção da catástrofe. Na verdade, o país mal começou a vacinação, a qual, somadas a primeira e a segunda dose, chega a pouco mais de 3% da população. O processo segue a passos de tartaruga.
As causas e implicações dessa tragédia anunciada têm sido amplamente estudas, refletidas e debatidas. Os cientistas, médicos e estudiosos, especialistas do tema, junto aos meios de comunicação, não se cansam de chamar a atenção para os riscos a que está exposta a população em geral. Entretanto, ademais do desprezo, abandono e desmonte no que se refere às políticas públicas de saúde, impera o desgoverno das autoridades municipais, estaduais e federais, ainda que em graus diversos de irresponsabilidade. Para citar apenas um exemplo, num recente pacote de projetos de lei enviados ao Congresso Nacional, o Palácio do Planalto prioriza claramente a flexibilização, compra, porte e uso de armas de fogo para o conjunto dos cidadãos. Cada pessoa teria direito a 6 de vários calibres. No fundo, confunde-se a aquisição e posse de arma com a segurança do povo, o que significa transferir para a população o ônus e a responsabilidade de uma verdadeira e efetiva política nacional de segurança.
O mais grave é que, no cenário atual da pandemia e no horizonte de seu enfrentamento, não se vê muita luz. Desde o ponto de vista da saúde, entre outros, nuvens sombrias cobrem os céus do Brasil tropical. Além do descaso dos integrantes do Pode Executivo, os senadores e deputados do Poder Legislativo parecem mais preocupados nos debates sobre o que vem sendo chamada de PEC (Projeto de Emenda Constitucional) da impunidade. Projeto que, no final das contas, tem em vista proteger suas excelências, os parlamentares, de processos investigativos, tanto por parte do Poder Judiciário quanto da Polícia Federal. Mesmo diante de um momento tão difícil e delicado que o país vem atravessando, predomina a força histórica e estrutural de uma atitude corporativista que está no DNA da tradição política brasileira.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo, 26 de fevereiro de 2021.