[Pe. Alfredinho] ‘Fratelli tutti’ para um Natal de fraterna comunhão

Advento e Natal constituem, juntos, um tempo litúrgico privilegiado. Inúmeras pessoas viajam, se visitam, multiplicam encontros. Amigos, parentes e familiares estreitam laços e relações. Como fez o Papa Francisco na encíclica Fratelli tutti (FT), podemos citar o poeta Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida” (FT, 215). Neste ano de 2020, porém, citando outro poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra”, uma pandemia, com seu rastro macabro de pessoas mortas e famílias enlutadas.

Flagelo inédito e global, da mesma forma que globalizada é a política econômica hoje. O novo coronavírus já cruzou as fronteiras de quase 200 países. No mundo inteiro, o número de infectados ultrapassou a cifra das dezenas de milhões, enquanto o número de mortos alcança 1,3 milhão. Isso sem levar em conta a subnotificação. Limitando-nos ao Brasil, contam-se aproximadamente 6,5 milhões de infectados, ao passo que mais de 175 mil pessoas perderam precocemente a vida. Somando infectados e afetados, na prática todas as pessoas e famílias foram, de uma forma ou de outra, atingidos por esse “inimigo invisível, silencioso e letal”.

Quem não tropeçou nessa “pedra/pandemia”? Ela trouxe o isolamento individual e o distanciamento social. Isolados e contidos dentro da própria casa, as telas e as janelas tornaram-se nossos únicos meios de comunicação. Para não poucas pessoas, a saúde mental sofreu abalos inesperados. A solidão virou nossa companheira do dia a dia. Um contraste se estabeleceu: ao mesmo tempo em que foi possível constatar certo negacionismo e indiferença por parte de algumas autoridades, vimos nascer por toda parte uma série de iniciativas solidárias e populares. Muitas comunidades se deram as mãos, reduzindo a força do inimigo comum.

Se é verdade que para muita gente esse tropeço mexeu negativamente com a trajetória de vida, para outros ele não deixou de despertar para novos valores. Entre eles, destaca-se o cuidado: com a saúde pessoal e alheia, cuidado com os mais frágeis e vulneráveis, cuidado com a gestão pública e o bem-estar, cuidado com “nossa casa comum”, para voltar a outra expressão do Pontífice. E mais recentemente, com o novo documento da Doutrina Social da Igreja, Fratelli tutti (Somos todos irmãos), o Papa sublinha uma nova forma de cuidado, isto é, a atenção redobrada para com o outro, o diferente, o estrangeiro. Volta a alertar para o combate vigoroso e sem tréguas à discriminação e ao preconceito, ao racismo e à xenofobia.

Esses vírus, sim, constituem verdadeiras pedras de tropeço para o diálogo, a paz e a fraternidade. A pandemia de COVID-19 pode ser vencida. Temos a ajuda de numerosas pesquisas e da ciência. Várias e distintas vacinas já apontam para a aurora de novos horizontes. As divisões que nos separam, porém, como em todo Natal, exigem uma dupla conversão, pessoal e social. Somente isso pode nos levar ao que o Papa chama de “cultura do encontro, do diálogo e da solidariedade”.

Padre Alfredo José Gonçalves, CS, pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos).

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