MEMORIA QUE CONFIRMA, CURA E FORTALECE. 40 anos de história do SPM.
MOMENTOS E INICIATIVAS PESSOAIS IMPORTANTES – Lembrar é muito bom porque significa trazer aquele momento ao coração, por isso que a memória é curativa e fortalece a vida presente. Neste sentido lembro muito bem nos primeiros anos de seminário (Anos 70) quando ainda era um adolescente cursando a antiga oitava série, de iniciativa própria num grupo de 106 colegas, fui pedir autorização ao meu superior de fazer catequese às crianças no Colégio Conceição dos Irmãos maristas na cidade de Guaporé. O Superior confiando em mim me concedeu licença para ser catequista e logo depois cursando o colegial na cidade de Passo Fundo tive a mesma ideia e lá fui eu pedir mais uma licença porque se tratava de outro formador e outra cidade aonde pela primeira vez escutei o nome “periferia e favela” e lá fui eu numa das periferias do Bairro Vera Cruz na favela do Valinhos que hoje certamente está bem diferente e supostamente deveria estra mais desenvolvido e integrado numa vida normal e de direito de todo cidadão brasileiro.
Durante o curso de filosofia na UCP (Universidade Católica do PR – hoje PUC-PR) também por iniciativa própria solicitei aos superiores de poder iniciar e constituir um “Centro de atenção aos Migrantes” para formação e consciência na sociedade da presença dos migrantes internos em Curitiba, e lá fui eu com mais um colega, aproveitando o embalo da CF (Campanha da Fraternidade) de 1980 “Para onde vais?” onde iniciamos um humilde centro de atenção ao migrante e que mais tarde se transforma no atual CEAMIG (Centro de Atenção ao Migrante) no Bairro de Santa Felicidade em Curitiba, Área de uma forte emigração europeia no século XIX e hoje com a presença de imigrantes e refugiados de várias partes do mundo. Ao mesmo tempo nesta época exerci meu ministério pastoral em cadeias e nas periferias da cidade junto as comunidades eclesiais de base (CEBS).
Neste momento importante em que as ideias eram o centro da vida de estudante tive uma segunda iniciativa de com a autorização dos superiores, durante o tempo de férias poder fazer um tempo de colaborador voluntário na antiga AVIM (Associação de Voluntários para a integração do migrante) em São Paulo que tinha também uma presença com um posto de serviço social na Rodoviária do Tietê e uma presença no CETREM (Centro de triagem Estadual de Migrantes, espaço este que foi o lugar onde milhões de imigrantes europeus chegaram e ali eram recebidos para serem encaminhados nos campos de trabalho, especialmente nas fazendas de café no interior de SP, substituindo a mão escrava que havia sido proibida com a lei áurea de 1888 e hoje Museu do migrantes.
Outro momento importante como iniciativa pessoal quando como estudante de filosofia foi o fato de ter lido em jornais e no boletim “Vai e Vem” do SPM, sobre o êxodo da migração do sul para o MS e Rondônia. Ao ler na imprensa que saia vários ônibus da cidade de Cascavel – PR, me ofereci para fazer uma pesquisa com as empresas de ônibus e na rodoviária de Cascavel sobre o tema daquela migração nas assim chamadas “Fronteiras Agrícolas”. (Deve estar em algum dos boletins do SPM daquela época e que para mim foi muito importante porque tive uma noção do tamanho da mobilidade humana naquela época do povo sulino ruma às novas fronteiras agrícolas do centro este e norte do país.
Me lembro muito bem que a propaganda das colonizadoras iludia muito as famílias e pessoas para a migração com promessas e muitas falsas ilusões onde prometiam terra e condições e estruturas necessárias para uma vida digna, porém ao chegarem no local a realidade era bem outra e isto se comprovou com os enriquecimentos de empresas e grupos colonizadores e o sofrimento, abandono, morte e retorno de muita gente em pouco tempo depois. Muitos adoeceram, outros faleceram e muitos retornaram aonde tiveram que começar tudo de novo. Outros permaneceram e enfrentaram todo tipo de adversidade e com o tempo conseguiram se estabelecer e lá estão. O mesmo aconteceu nos anos 80 com a construção de grandes obras onde muita gente teve que emigrar em busca de trabalho e tiveram a mesma sorte, especialmente com a construção da grande Itaipu binacional, onde meio milhão de brasileiros tiveram que emigrar para o Paraguai e outros Estados.
FELIZES COINCIDÊNCIA – Fazendo esta pequena memória percebi dois focos e duas dimensões bem claras das minhas humildes e importantes iniciativas pessoais: CATEQUESE E PASTORAL DO MIGRANTE, ATRAVÉS DA FORMAÇÃO, INCIDÊNCIA E O ACOMPANHAMENTO AO MIGRANTE. os quais também foram muito presentes na vida do Fundador canonizado no dia 09 de outubro de 2022 apresentado e oficializado para toda a igreja católica como Apóstolo do Catecismo e Pai dos Migrantes.
Percebi com muita alegria também que eu já estava no caminho do SPM, antes da sua existência, durante e depois, através das pequenas iniciativa pastorais que ia tomando durante o seminário como estudante e no momento em que se cria de forma Institucional (1985) o mesmo e se começa a assessoria para formação de agentes de pastoral, elaboração de materiais e subsídios de apoio e ajuda para a celebração do dia e semana do migrante a nível nacional eu sempre estive muito presente e achava aquilo tudo muito importante para meu trabalho do passado, presente e futuro como missionário Scalabriniano ao serviço do povo migrante. Foi uma ESCOLA e um lindo processo construído de forma coletiva e com iniciativas pessoais. Posso definir como: “uma linda história de amor”.
Isso tudo foi tão importante para minha primeira experiência missionária na Igreja da Paz em SP onde na época funcionava a AVIM e o Centro de Pastoral Latino-Americano. Lembro muito bem que nas minhas primeiras reuniões com a coordenação do SPM na Rua Ciprestes Ezequias – Ipiranga SP, junto com a Missionária Leiga Scalabriniana Rita Bonassi levamos o tema dos imigrantes “Latinos não brasileiros” os também definidos como “hispanos” para que fossem incluídos no programa e calendário do SPM. Nossos apoios na época foram o Chico político e o Roberval. Concomitantemente se integraram no trabalho pastoral da Igreja da paz os dois primeiros estudantes de teologia do ITESP (Instituto Teológico São Paulo), o Jairo e o Beto (Atualmente Missionários – EUA e Peru). Assim que depois de um tempo de perseverança e participação, foi entendido, aceito e integrado o tema dos latinos no SPM que no primeiro momento foi difícil porque o tamanho da migração interna era tanto que ocupava todo o tempo, porém que num segundo momento foi uma grande riqueza e oportunidade para o SPM entender, conhecer e se abrir as novas presenças de imigrantes já presentes a muito tempo no Brasil.
Aquele momento foi tão importante, que conseguimos organizar vários encontros a nível nacional de migrantes hispanos em diferentes Estados, dos quais se elaborou o primeiro guia da pastoral latino-americana no Brasil o qual foi muito importante para os grupos locais e agentes de pastoral de todo o país e até para os países limítrofes que o utilizaram muitas vezes. (Desta iniciativa brasileira, mais tarde nasce no CELAM os diferentes e sucessivos “Guias de la pastoral de Movilidad Humana” para América latina e o Caribe. (Ainda muito atuais e vigentes).
A raiz deste experiencia, foi muito significativo e importante no meu trabalho pastoral como missionário Scalabriniano dentro e fora do País como: Argentina, América Central especialmente Guatemala, Canadá e atualmente também no meu trabalho de governo geral no secretariado da missão a nível mundial da presença Scalabriniana (35 países nos 5 continentes). Inclusive tiro um tempo e faço questão de acompanhar com carinho tudo o que acontece no SPM, do qual tive a alegria de ser parte da coordenação, colegiada e como vice-presidente por 25 anos porque 15 anos vivi fora do País.
Destaco alguns momentos e de modo especial alguns irmãos e amigos (as) importantes na minha caminhada com o SPM em que foi uma presença importante na missão em que eu fui coordenador como missionário Scalabriniano: No CEAMIG em Curitiba e de modo especial pela incansável lutadora e amiga, profissional e importante agente de pastoral Elizete Sant’Anna de Oliveira e a permanente presença e participação dos leigos Scalabrinianos. Na coordenação da Pastoral do migrante na Arquidiocese do Rio de Janeiro com o apoio e a presença do grupo dos leigos do RJ, e as amigas e companheiras Helena e Ir. Vera. Os dois momentos na Missão paz em São Paulo em que estive na pastoral do migrante, casa do migrante e na paróquia Nossa Senhora da Paz. Durante os dez anos na Missão Paz muitos seriam os nomes, porém quero agradecer a todo mundo nas pessoas de alguns grandes amigos e amigas Nancy (Peruana), Marcia, Wilian, Dirceu, Sônia, Ruth, Miguel, Patrícia, Elvira, coordenações das comunidades, colegas seminaristas, religiosos e missionários… Todos os anos que participei da coordenação nacional (Companheirada do Brasil inteiro) e de modo especial na Colegiada do SPM com Dom José Luiz Ferreira Salles, Ozânia e Roberto. Durante vários anos, no espaço e processo de construção do “Grito dos Excluídos” importante parceiro do SPM e junto com o grande companheiro Ari Alberti. Momentos, amizades, aprendizados e pessoas Inesquecíveis, grande escola e muitas alegria e só gratidão.
Poderia escrever um livro sobre momentos, pessoas e experiências de vida com os migrantes no SPM.
APRENDIZADOS E ACERTOS NA CAMINHADA COM O SPM.
PRESENÇA DE COMUNHÃO PARTICIPAÇÃO E MISSÃO – Acredito que o SPM foi muito importante e continua sendo uma presença de comunhão eclesial junto com os migrantes na Igreja no Brasil junto a CNBB. Se trata de um trabalho de base e concreto junto aos migrantes e em comunhão com a igreja junto à CNBB, Regionais, Dioceses, paroquias e comunidades.
METODOLOGIA – Com sua metodologia coletiva e comunitária de construção de processos, tem sido um modelo sinodal com a participação dos agentes e migrantes em todos os momentos de sua história. Creio que o SPM sempre atuou de forma sinodal e agora como proposta de igreja, fortalece ainda mais este seu caminho.
ESTRUTURAS – Tem uma estrutura mínima com muitos poucos recursos, porém muito bem articulada onde consegue dialogar com as forças organizadas da sociedade civil e junto aos organismos e Agências Internacionais.
PRESENÇA DE INCIDÊNCIA – Faz uma incidência política, social, ecológica e eclesial muito importante sobre temas vitais e humanos que não se pode esquecer e nem os reduzir a invisibilidade dado sua importância na construção de uma sociedade justam fraterna e solidaria, uma economia solidaria e sobretudo para uma verdadeira e real democracia participativa onde todos tenham o necessário para viver com dignidade e a igualdade social seja prioridade em nosso pais tão desigual, injusto e com tantas violência contra os pobres, migrantes, mulheres, grupos minoritários, crianças, jovens, idosos…
MUDANÇAS IMPORTANTES – Nestes 40 anos do SPM creio que juntos como igreja conseguiu mudar mentalidades, pensamentos, sensibilidades, mentes, visões e consequentemente algumas mudanças concretas e positivas aconteceram na vida das pessoas e seus familiares. Enquanto a mente não muda, os olhos não enxergam, o coração não sente e tudo permanece igual ou pior (Temos exemplos recentes)
CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE MIGRAÇÕES – Momento transcendentais sem dúvida foi sua participação e contribuição na primeira conferência nacional das Migrações (2014) com a participação dos migrantes e na mudança significativa da lei de migrações do tempo da ditadura, restrita e pouco humana e que atualmente se constitui uma das leis não perfeita, porém muito mais humana em relação aos migrantes e que ainda tem espaço para avançar e melhorar com o tempo. Atualmente envolvido na segunda Conferência Nacional de Migrações.
PRESENÇA PROFÉTICA – Foi em muitos momentos uma presença profética na igreja e na sociedade em geral que anunciou a boa notícia do Reino, denunciou as injustas causas da migração forçada e celebrou a vida dos migrantes com horizontes na integração local dos mesmos e de sua convivência pacífica junto aos diferentes povos no país.
TRABALHO EM REDE – Seu trabalho se constitui um espaço importante de articulação de todos os diferentes e importantes trabalhos que existem nos locais, paróquias, comunidades, regionais e a nível nacional. Sinto que o SPM veio a nos ensinar que trabalhos e projetos pessoais na igreja não tem futuro, enquanto todo tipo de trabalho coletivo e comunitário, pode ser mais lento, porém com um futuro e uma continuidade garantidas, mais certo e segura. Isso acontece em todos os setores e dimensões da nossa vida.
TRABALHO INTEGRADO E DE COMUNHÃO – Um exemplo deste tipo de trabalho na e como igreja entre o tema da CF – Campanha da Fraternidade com a semana do migrante foi uma iluminação e motivação para outras pastorais fazerem o mesmo. Uma experiência que deu certo na complementação e fortalecimento dos temas, os quais também os migrantes viviam e vivem os mesmos dramas e situações que a CF trabalha e celebra cada ano.
COMPROMISSO E SINTONIA COM AS CAUSAS HUMANAS E HISTÓRICAS – através de um trabalho de colaboração, coordenação e articulação com outros movimentos sociais, instituições, organismos internacionais e com forças organizadas da sociedade civil e mesmo com programas de governos progressistas onde o SPM esteve presente somando forças foi sem dúvida muito luz e força para as pessoas migrantes, organizações e para outras pastorais. Aqui podemos destacar o importante trabalho em conjunto na construção das semanas sociais, com o tema da terra (MST, CPT, Sindicatos, Organizações de agricultores artesanais e indígenas, pastorais sociais, rede clamor…) Destaco o imenso trabalho em conjunto com o “Grito dos Excluídos” que teve sua referência permanente em toda sua história de mais de 30 anos na sede do SPM, além do permanente apoio humano, com recursos e logístico. Um trabalho de compromisso histórico pelas grandes causas sociais e humanas do país e da humanidade.
SINODALIDADE E ECOLOGIA – Posso afirmar que em toda sua trajetória o SPM sempre teve presente esta dimensão da escuta, diálogo e missão de forma sinodal, o que agora veio se confirmar com o sínodo da sinodalidade para toda a igreja católica universal. O Vat. II já era uma realidade presente na organização e construção do SPM. O permanente trabalho com os povos indígenas e da terra com o foco no bem-viver também sempre foi uma preocupação do SPM em todo seu caminho histórico.
SINTONIA COM AS VÍTIMAS DA HISTÓRIA – Sem dúvida que a opção preferência que não significa uma opção exclusiva também sempre foi uma realidade presente do SPM em todos seus momentos históricos em que exigia uma decisão clara e uma tomada de posição em relação aos temas de vulnerabilidade, exclusão, exploração, trabalho análogo a escravidão, xenofobia, rejeição….
TRISTEZAS – Sinto muita tristeza em ver que ainda muitos agentes, religiosos, padres, bispos, leigos… com uma visão eclesial confusa e reduzida não conseguem perceber e nem reconhecer a importância do SPM com sua autoridade moral durante 40 anos de história… Contra fatos não há argumentos e o testemunho vale mais que mil palavras. Quem sabe um dia tudo pode mudar. Seguirei sonhando. Os tempos ainda não estão maduros. A pior desgraça é a falta de comunhão que existe entre nós na igreja, congregações, grupos, comunidades… e os personalismos, egocentrismos e os projetos pessoais de poder e domínio sem sentido. Porém olhando para sua história a gente percebe que os momentos de alegria, comunhão, testemunho, dedicação, festa, celebração… foram infinitamente maiores que tudo o que possa ofuscar ou deprimir esta linda e importante história do SPM, que ninguém jamais poderá destruir, roubar ou ignorar.
PARABÉNS, SPM pela tua e nossa história de amor que fez a diferença de muitas pessoas de boa vontade e de pessoas que acreditam num futuro de paz, fraternidade e dignidade. Que tenha mais muitos anos de vida e de compromisso com o Reino de Deus que já está presente no meio de nós, mas que infelizmente alguns se outorgam o direito de proclamar-se donos onde usam e abusam de Deus aos seus próprios interesses pessoais e grupais mesquinhos e seus objetivos de poder, domínio e dinheiro.
GRATIDÃO SPM, siga teu caminho singelo, mas importante, humilde, mas consequente, sonhador e utópico, mas com a certeza de que o Reino de Deus está presente nos corações humanos, o qual. se expande e caminha assim como os migrantes pelo mundo. Posso afirmar que o SPM significa um serviço, mas sobretudo uma escola de aprendizagem porque a forma como se atua ajuda a todos seus integrantes, contando sempre com suas limitações e desafios permanentes, normais em todo tipo de organização. O fato é que poucas pastorais chegaram a esta idade num país continental como é o Brasil.
ALEGRIA – Me alegro e fico muito feliz pelos 40 anos desta linda e importante história de amor do SPM – Brasil junto aos migrantes, refugiados, vítimas do tráfico humano, excluídos, pobres… Juntos e contigo seguirei caminhado, mesmo a distância, porque para quem ama não existe distância e muito menos espaço para o desânimo ou para a tristeza. Parabéns e felicidades. Muitos desafios, porém, ainda restam e que eles nos motivem e animem para seguir caminhado. Fico pensando com alegria sem saber em quantas pessoas foram acolhidas, motivadas, curadas, fortalecidas… para recomeçar suas vidas e poder continuar caminhando nestes 40 anos de história do SPM.
SANTIDADE – Que São João Batista Scalabrini – Pai dos migrantes e Santa Francisca Cabrini – Mãe dos migrantes, confirmem está linda história de 40 anos de vida ao serviço e junto aos migrantes. Que Maria Mãe dos migrantes continue acompanhando a todas as pessoas de boa vontade que sonham e buscam um mundo de paz.
Por causa de tudo, valeu e vale a pena continuar junto com o SPM, porque não me importa chegar tarde o que me incomoda é chegar sozinho. Contém sempre comigo, parabéns e um grande abraço.
Roma, abril de 2024
Mário Geremia, CS – Missionário Scalabriniano
Conselheiro Geral – Roma, Itália