SILÊNCIO E MUTISMO
Existem momentos de aparente silêncio que, na verdade, destilam veneno, para não falar de ódio e vingança. Prova disso são a recusa de se comunicar, o isolamento fechado sobre o próprio umbigo, bem como a impossibilidade crônica de dialogar. Não raro, sob o mesmo teto, verifica-se esse ambiente tóxico e corrosivo que mantém as pessoas distantes umas das outras, mesmo que sejam familiares, amigos, e estejam fisicamente próximas. Respira-se, então, um ar pesado, hostil, onde prevalece o individualismo exacerbado.
Nesse caso, a palavra correta para designar tais momentos não é silêncio, e sim mutismo. Trata-se de um deserto árido, estéril, totalmente infecundo. Em semelhante terreno, nada de novo é capaz de nascer e florescer. A estranheza substitui a familiaridade, o calor humano cede o lugar a um frio glacial.
Ruídos e barulho, por outro lado, muitas vezes anseiam por alguns instantes de silêncio. Este, com efeito, costuma ser um bálsamo de paz e tranquilidade para quem enfrenta convulsões e turbulências. O mundo urbano, de forma particular, tende a engendrar espaços estrepitosos, frenéticos e espetaculares, verdadeiro show de fogos de artifício. Aí não será difícil tropeçar com essa sede de sossego, de estar a sós consigo mesmo, para melhor cultivar pessoas, relações e lembranças. Aqui o silêncio, em lugar de seco e deserto, torna-se povoado de rostos, imagens e recordações. Um universo habitado pelas riquezas da memória, mas também pela criatividade da imaginação.
A prodigiosa velocidade com que a existência move suas engrenagens, o rumor múltiplo das ruas e praças públicas e a pressa afanosa e endiabrada – tudo está a exigir uma parada, um lugar de refúgio pessoal, uma atmosfera de silêncio onde repousar o corpo, o coração e a mente. Como seguir adiante sem esse “posto de abastecimento” que refaz as forças debilitadas? Como retomar o caminho sem o alimento que nutre e fortalece as energias?
O mutismo se encerra em si mesmo, se encaramuja e se protege, e aí será capaz de apodrecer de ódio e morrer do próprio veneno. Ao invés disso, o silêncio, embora também busque abrigo o proteção, o faz com o claro objetivo de ampliar o leque de seus relacionamentos e encontros. Concentra-se para descentralizar-se. Entra em si mesmo para melhor pavimentar a via que leva aos outros. O mutismo, ao contrário, cria e cultiva um gueto cerrado, impossível de ser quebrado, e que pode converter-se em seu túmulo. O silêncio, em lugar de gueto isolado e impenetrável, se abre à comunidade. Abre novas oportunidades de relações, de diálogo, amizade e de intercâmbio. Seu horizonte se revela pródigo em alternativas, porque aberto e receptivo ao diferente, ao outro e ao estrangeiro.
Enquanto o mutismo costuma ser egoísta e ególatra, gerando um tecido social necrosado, o silêncio mantém-se vivo e solidário no na descoberta de novos encontros e experiências. O primeiro teme o novo e a mudança, o segundo os buscam com a sede de melhorar as pessoas, a sociedade e o mundo.
Alfredo, SP, 24/08/2025


