UM ESPECTRO RONDA O PLANETA
Em meados do século XIX, Marx e Engels escreviam no Manifesto comunista: “um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”. Hoje um novo espectro ronda, não só um continente, mas o mundo globalizado: o espectro do nazifascismo. Ideologia que, além de autoritária, direitista e totalitária, traz no seu DNA o vírus do supremacismo, o monstro que provocou a Segunda Guerra Mundial, com seu rastro macabro de mortos e mutilados, em meio à devastação total.
A ideia de supremacismo, aliás, como no famigerado caso de Hitler, supõe a superioridade de uma raça sobre as demais. Disso decorre que a raça superior, simplesmente pelo fato de sê-lo, tem o direito ao “espaço vital” para viver e sobreviver, em detrimento do resto da população mundial. Daí o tratamento diferenciado entre os “nossos” e os “outros”, os “de dentro” e os “de fora”, os “bons/amigos” e os “maus/inimigos”. É o que revela, por exemplo, o presidente Donald Trump no seu comportamento distinto entre os americanos e os imigrantes. “América para os americanos”, diz ele, sem sequer dar-se conta que o termo América designa um continente, e não um país. Fica evidente, de toda forma, que o mandatário supremo dos Estados Unidos (USA) se vê com poder sobre o próprio país, sobre todo o continente e sobre a economia globalizada – uma espécie de tirano ou xerife do globo, da mesma forma que Hitler o queria ser da Europa.
A busca do “espaço vital” para a raça branca, supostamente superior, o leva a sonhar com a Groelândia e o Canadá, como futuros refúgios dos ricos e poderosos diante do risco crescente do aquecimento global. Mas o leva, igualmente, a uma limpeza étnica do próprio território. O resultado desse duplo objetivo tem sido, por um lado, a política externa agressivamente expansiva e, por outro, a aceleração do ritmo das deportações dos imigrantes sem documentação legal. O que, em não se tratando de cidadãos estadunidenses, pode ser feito com algemas e pés acorrentados. Um retorno ao tempo da escravidão.
A expressão “eles precisam mais de nós do que nós deles”, por sua vez, revela uma brutal e grosseira ignorância da política econômica global, atualmente interligada de forma inextricável. Os efeitos de tamanha mediocridade, cedo ou tarde, se farão sentir no interior mesmo dos USA. Desconhecer nos dias atuais a complexidade das relações e transações nacionais e internacionais é coisa de miopia ou cegueira autoritária. Ademais, o desligamento do acordo de Paris e da OMS marcam um isolamento historicamente insustentável.
Semelhante forma de governar, em maior ou menor grau, provoca reação indignada nas autoridades mundiais, na mídia oficial e na opinião pública. Mais grave, ainda, são os gritos silenciosos ou silenciados que emergem por toda parte. Gritos que se tornam tanto mais eloquentes, e às vezes estridentes, quanto mais sufocados, ignorados e reprimidos. Muitos deles partem de imigrantes e respectivas famílias que deram dez, vinte ou trinta anos de sua vida para a grandeza dos Estados Unidos. E hoje, quando mais necessitam de amparo, apoio e proteção, veem-se escorraçados como criminosos. O erro está em vincular, sem mais, o fenômeno da migração seja à segurança nacional, seja ao terrorismo ou ao tráfico de drogas, armas e pessoas.
Pior é que Trump não é o único. Não se trata de um caso isolado. Tiranos, nazifascistas e supremacistas estão se proliferando por toda parte como ervas daninhas. Utilizam os instrumentos, instâncias e mecanismos da democracia para tomar o poder. Uma vez instalados, serão capazes de tudo para se perpetuar no trono, com os benesses e privilégios decorrentes do cargo. Tornam-se “donos do poder”. Denota-se que a própria democracia sofre de fissuras irreversíveis e que precisa de remédio imediato. Em lugar de lideranças e estadistas comprometidos com o bem-estar comum, vem produzindo oportunistas. Estes, a pretexto de mantê-la e defendê-la, dela se apoderam para causar sua ruína.
Três constatações para concluir. Primeiramente, o casamento entre ganância pelo poder e ignorância, conduz a um desastre inevitável que não se sustenta por muito tempo. Em segundo lugar, os avanços culturais e civilizatórios não comportam mais mentalidades nazistas e fascistas. O nazifascismo estava morto e enterrado desde a Segunda Guerra Mundial. Ressuscitar certos fantasmas é caminhar para trás, o que a história jamais perdoa. Por fim, até quando os demais países, as leis estadunidenses e a sociedade em geral permitirá essa bizarra e retrógrada forma de governar?!…
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM, RS, 27/01/2025