A FRATERNIDADE E A FOME
A Campanha da Fraternidade de 2023 (CF/23), promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) expõe a chaga mais gritante e urgente da sociedade brasileira contemporânea. Os famintos contam-se às dezenas de milhões.
E isso mesmo antes das terríveis imagens do povo indígena Yanomami, da pandemia Covid-19 e do desgoverno do inominável. Fome, pandemia e desgoverno, aliás, estão íntima e retroativamente ligadas, com causas e efeitos recíprocos.
O fato é que esses três vírus, digamos assim, ao mesmo tempo trouxeram à tona e agravaram feridas históricas e estruturais mal cicatrizadas, impasses que têm atravessado a trajetória brasileira desde os tempos primórdiais. As três tragédias citadas levantam perguntas que, apesar de sua estridência, em geral jazem sonâmbulas nos subterrâneos da história. Questões adormecidas, tal como o gigante continental que é este país.
Por que uma terra tão rica em recursos naturais e humanos gera a pobreza, a miséria e a fome dos setores mais vulneráveis da população? Por que vírus e bactérias praticamente extintos pelos avanços da medicina têm reaparecido no Brasil de nossos dias, não obstante o SUS, excelente instrumento público de imumização? Por que o autoritarismo, o deboche, o descaso e o negacionismo bolsonaristas, de extrema direita, ganharam entre nós tantos adeptos? Por que nos últimos anos novos bilionários emergiram e convivem, lado a lado, com uma crescente e escandalosa desigualdade socioeconômica?
As causas de semelhantes interrogações já foram ampla e profundamente analisadas por não poucos clássicos da economia, da política e da sociologia brasileira. O texto-base da CF/23, por seu lado, também joga luz sobre as razões, sejam elas remotas ou imediatas, dessa anomalia crônica e persistente da pobreza e da fome em Terras de Santa Cruz. Normalmente, onde o solo foi mais rico, a população se tornou mais pobre. Os abutres saqueam tudo o que pode virar mercadoria e deixam o povo no abandono.
Resta, porém, o grande desafio de erradicar a fome e a subnutrição num país que produaz tantos e tão variados alimentos. Desafio pessoal, coletivo, empresarial e governamental. Mas é preciso ter claro que, se por uma parte todos devem empenhar-se nessa tarefa colossal, por outra parte, as resposabilidades são bem distintas. Cabe uma nova pergunta: quem decide o que se deve produzir, para quem se deve produzir e como se deve produzir? E ainda, como distribuir de forma justa o fruto do trabalho de todos e todas?
Em outras palavras, além de defender os princípios democráticos assolados por golpes, no plural, que se repetem em continuidade, o país necessita com urgência de políticas públicas em busca do bem-estar comum, mas dirigidas de maneira prioritária para onde a vida se encontra por um fio, e cada vez mais ameaçada. Identificar os rostos, grupos e comunidades em extrema condição de vulnerabilidade e ir em socorro de sua dignidade humana, tornou-se a prioridade das prioridades. Como insiste anualmente o Grito dos Excluídos, “vida em primeiro lugar”.
Pe José Alfredo Gonçalves sc Vice-presidente do Spm 05/02/2023