Mercenários

Mercenário, de acordo com os dicionários, tem dois conjuntos de significados: primeiramente é um assoldado, que trabalha ou serve por um preço ou soldo ajustado; em segundo lugar é aquele que age ou trabalha apenas por interesses financeiro, por dinheiro ou algo que represente algum tipo de vantagens materiais, isto é, interesseiro, venal. Levando em conta essas duas “janelas”, não será difícil encontrar mercenários nos mais distintos campos de ação, tais como a guerra, a religião, a política, a saúde, a educação, a assistência social, e assim por diante. São pagos para levar adiante causas de caráter notadamente público, aproveitando-se para transformar em fonte de ganho qualquer dedicação a esse tipo de tarefa.

Na guerra, ao longo dos séculos, costumamos ver mercenários aliciados por exércitos regulares. Servem para engrossar a massa dos soldados e, em muitos casos, espalhar o terror entre os que estão do outro lado da trincheira. Em geral, porém, são também os primeiros que abandonam a batalha. Lutando tão somente por dinheiro ou pelo “butim de guerra”, jamais serão capazes de entregar-se inteiramente à causa. E quando esta começa a periclitar, correm em busca de outras fontes de ganhos. Diante de uma ação ou compromisso de ordem social, religiosa, ética, moral ou política, o mercenário é capaz de vender seu “voluntarismo”. Com a mesma rapidez com que é recrutado, entretanto, tornar-se-á também imediatamente desertor, se e quando os ventos são contrários. Sua prontidão é irmã gêmea de sua deserção ou abandono. 

Mais ousados são os mercenários na esfera religiosa. Não hesitam em usar o nome de Deus em benefício próprio, da família ou de uma corporação. Daí o comércio apelativo, muito frequente e descarado de expectativas falsas com pessoas normalmente pobres, vulneráveis e desavisadas. Coisa que ocorre tanto no que diz respeito à chamada “teologia da prosperidade”, como também da “venda” de curas mágicas e imediatas para doenças notoriamente incuráveis. Com o passar do tempo, notar-se-á que a “prosperidade” se torna extremamente seletiva, beneficiando apenas as lideranças congregacionais. Quanto à promessa de cura, apela-se com frequência inusitada para encenações onde nem sempre é fácil esconder a farsa. Em outras denominações religiosas, desde tempos imemoráveis, a venda de objetos “abençoados” ou de um terreno certo e seguro no reino do céu, após a morte, levou a não poucas denúncias escandalosas no interior de muitas igrejas. Quanto sangue derramado inocentemente nas “guerras santas”!

A meio caminho entre a guerra nos campos de batalha e a compra-e-venda da salvação religiosa, temos o campo da prática política. Neste caso, os assaltos aos cofres públicos são, via de regra, bem mais vultosos e corrosivos. Os mercenários ocultam-se atrás do paletó, gravata e colarinho branco, exibem belos discursos, tecem relações obscuras e escusas – seja para locupletar-se com o mandato, seja para fazer dele uma cadeira cativa. Se, por uma parte, a riqueza pessoal/familiar pode pagar os custos de uma eleição e sua possível vitória, por outra, o candidato que acaba por transformar-se em político descortina uma série de portas abertas para aumentar o próprio renda e riqueza. Dinheiro chama poder e este desvenda veredas suspeitas para aumentar a acumulação. O círculo se fecha sobre si mesmo, limitando a democracia ao eventual exercício do voto. O que mexe com as ondas aparentes, deixando intactas as correntes subterrâneas da economia.

Combinados com a política, estão os sistemas de educação, segurança, saúde, assistência social, transporte, malha viária, limpeza, entre outros serviços públicos. Tudo isso de desdobra em uma gigantesca rede de atividades e mão-de-obra, o que requer verbas nada desprezíveis. Nessa área, os orçamentos costumam são medidos às dezenas, centenas, milhares e milhões de reais. Campo minado e viçoso para os oportunistas de plantão, ou seja, para os mercenários da política. Entre o emprego de familiares, amigos e compadres, de um lado, e o tráfico de influência ou controle do erário público, de outro, os agentes da administração pública tendem a perpetrar atitudes extremamente deletérias, desenhando o mapa da corrupção. No governo atual, por exemplo, e em outros que já passaram pelo Planalto Central, o Centrão se converte em “ponto de encontro” para a ação mercenária na res publica federativa do Brasil.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – São Paulo 7 de abril de 2022

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